Ela se encolheu sob uma marquise quebrada, tremendo não só do frio, mas da memória das mãos dele em seu pescoço. O cheiro de uísque barato, o som de vidros quebrando, o grito da mãe morta anos atrás-tudo voltava em flashes. Agarrou o colar quebrado no pescoço, a única herança materna, e jurou em silêncio: "Não voltarei. Não desta vez."
[...]
O café "Brisa Noturna" era um cubículo sujo, mas seu refúgio temporário. Trabalhava lá há três noites, lavando pratos em troca de migalhas e um canto para dormir. Naquela madrugada, porém, um homem entrou. Alto, trajando um sobretudo impecável, ele parecia deslocado entre as paredes mofadas. Sentou-se no balcão, pedindo um café sem tirar os olhos dela.
Clara evitou seu olhar, esfregando uma xícara manchada. Mas ele falou, voz grave e sem emoção: "Seus dedos tremem. Por quê?" Ela não respondeu, mas ele continuou: "Você é observadora. Notou que o dono deste lugar esconde uma arma sob o balcão. E que há um homem lá fora seguindo você."
Seu coração acelerou. O padrasto a encontrara. Antes que pudesse fugir, o estranho deslizou um cartão de visita sobre o balcão : Lucas Mendes. CEO da Mendes Corp."Precisa de um porto seguro? Venha ao endereço às nove. Não gosto de atrasos."
A Proposta
O escritório de Lucas era um cubo de vidro e aço, flutuando no 50º andar. Clara entrou, sentindo-se minúscula diante da vista panorâmica da cidade. Ele estava de costas, como um soberano diante de seu reino.
Lucas permaneceu de costas, as mãos entrelaçadas atrás do corpo, enquanto observava a cidade através da janela panorâmica do escritório. A luz do entardecer refletia em seus ombros largos, criando uma silhueta imponente.
"Sabe por que a escolhi?", começou, sem se virar. A voz dele era calma, quase indiferente, mas carregada de uma autoridade que não admitia questionamentos.
Clara ficou em pé diante da mesa, sentindo o peso do olhar invisível dele. "Porque sou descartável?", arriscou, tentando disfarçar o tremor nas mãos.
Ele finalmente se virou, os olhos cinzentos fixos nela como se fossem capazes de ler cada pensamento oculto. "Porque você não tem nada a perder. E eu preciso de alguém assim."
Aproximou-se da mesa, abrindo uma pasta de couro preto. Dentro, um documento impresso em papel de alta qualidade, com o brasão da Mendes Corp no topo.
"Este é o contrato," disse, deslizando-o em sua direção. "Casamento por um ano. Aparências públicas impecáveis. Obediência total às minhas regras."
Clara pegou o documento, os dedos tremendo ao folhear as páginas. As cláusulas eram rígidas, detalhadas:
- "Art. 1: A contratada deverá comparecer a todos os eventos sociais designados pelo contratante, vestindo-se de acordo com as especificações fornecidas."
- "Art. 3: A contratada não poderá manter contato com indivíduos de seu passado sem autorização expressa do contratante."
- "Art. 5: O contrato poderá ser rescindido a qualquer momento pelo contratante, caso a contratada descumpra qualquer uma das cláusulas."
Ela ergueu os olhos, sentindo um nó na garganta. "E o que eu ganho com isso?"
Lucas inclinou-se sobre a mesa, os dedos tocando levemente a caneta de prata gravada com as iniciais L.M. "Dinheiro. Proteção. Uma nova identidade." Ele fez uma pausa, como se medisse o impacto de cada palavra. "E, talvez, uma chance de esquecer quem você era."
Clara sentiu o coração acelerar. "E se eu me recusar?"
Ele sorriu, um gesto frio que não chegou aos olhos. "Você não tem para onde correr. Seu padrasto já sabe onde você está. E eu sou a única coisa entre você e ele."
Ela olhou novamente para o contrato, as palavras dançando em sua visão turva. "Um ano," murmurou, mais para si mesma. "E depois?"
"Depois, você será livre," ele respondeu, a voz suave como uma lâmina. "Mas até lá, você é minha."
Clara respirou fundo, sentindo o peso da decisão. "Preciso pensar."
Ele assentiu, como se já esperasse essa resposta. "Você tem até amanhã às 9h. Não gosto de atrasos."
Explicação do Contrato:
1. Objetivo de Lucas:
- Ele precisa de uma esposa temporária para cumprir exigências sociais (herança, negócios, imagem pública).
- Escolhe Clara porque ela é vulnerável e sem opções, o que garante que ela não questionará suas regras.
2. Benefícios para Clara:
- Dinheiro: Recursos para recomeçar a vida.
- Proteção: Segurança contra o padrasto abusivo.
- Nova Identidade: Oportunidade de deixar o passado para trás.
3. Cláusulas Restritivas:
- Aparências Públicas: Clara deve representar a esposa perfeita em eventos sociais.
- Obediência Total: Lucas exige controle sobre sua vida, desde roupas até interações sociais.
- Rescisão Unilateral: Lucas pode cancelar o contrato a qualquer momento, deixando Clara desprotegida.
A Assinatura
A caneta pesava como uma algema. Clara hesitou, a voz da mãe sussurrando em seu ouvido: "Fuja, Clara. Homens como ele só trazem dor." Mas a imagem do padrasto, espreitando nas sombras, a fez pressionar a ponta no papel. A tinta escorreu, vermelha como sangue.
Lucas recolheu o contrato, satisfeito. "Sua primeira regra: vestidos abaixo do joelho. Nada que chame atenção."Ela revirou os olhos. "Quer uma boneca de porcelana?"
"Quero uma esposa invisível," corrigiu ele. "Começaremos agora."
Dois guardas a levaram para um carro blindado. Ao olhar pela janela, viu Lucas observando-a, a caneta ainda em sua mão-um relicário de segredos.
A Mansão e as Regras
A mansão era um palácio gélido, cheio de retratos de ancestrais severos. Dona Marta, a governanta de olhos penetrantes, a guiou até um quarto branco, sem quadros ou cores. "O senhor Mendes proíbe visitas, telefones e janelas abertas após o anoitecer," disse, entregando um vestido cinza.
Clara tocou o tecido áspero. "E se eu não obedecer?"
"Não faça essa pergunta," Dona Marta sussurrou, fechando a porta com um clique final.
Naquela noite, Clara descobriu uma xícara de chá de camomila em sua mesa -quente, sem explicações. Bebeu devagar, questionando se era gentileza ou outra forma de controle.
[...]
Lucas a levou a um evento filantrópico no dia seguinte. No carro, ele ajustou o colar dela com dedos impessoais. "Sorria. Acene. Não fale a menos que eu permita."
No salão, luzes de cristal cegavam. Um repórter perguntou: "Como se conheceram?" Lucas puxou-a pela cintura, fingindo um sorriso. "Foi amor à primeira vista." Sua mão queimava através do vestido, contradizendo a frieza da mentira.
De volta à mansão, Clara encontrou um livro em seu travesseiro: "O Pequeno Príncipe", aberto na página da raposa. Uma nota anônima dizia: "Domesticar exige paciência."
O Sussurro das Sombras
Na madrugada, acordou com passos no corredor. Lucas parou diante de sua porta, silhueta imóvel. Ela prendeu a respiração, esperando o pior. Mas ele apenas deixou cair algo no chão - uma caixa pequena. Dentro, havia um broche em forma de fênix.
Ao amanhecer, Dona Marta a encontrou examinando o objeto. "Pertenceu à mãe dele," revelou. "Ela dizia que renascer é para os corajosos."
Clara prendeu o broche no vestido, decidida : se ele queria uma boneca, ela seria uma com espinhos.
"O contrato estava assinado. Mas nenhum deles imaginava que as regras mais perigosas eram as que ainda não haviam sido escritas."