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Quando o amor floresce

Quando o amor floresce

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Sinopse

Índice

Para Maria Luíza, nada em sua vida fora fácil, mas nem mesmo as dificuldades lhe impediram de desistir, o orgulho não faz parte do seu dicionário e não paga as contas. Ao ver suas dívidas se acumulando, ela toma uma medida drástica. Gabriel Barreto, após perder sua esposa, dedica todo o seu tempo entre o trabalho e cuidar de sua única filha. Mas a insistência de sua família faz com que ele mude de ideia, e aceite que outra pessoa lhe auxilie nos cuidados de Luna.

Capítulo 1 Prólogo Maria Luíza

Oito anos antes...

Osasco, São Paulo, 16:00 horas.

Tomada pelo cansaço, eu pouso minhas mãos sobre os quadris que latejam após ter dedicado parte da minha tarde para organizar a casa, que parece possuir bem mais habitantes do que realmente possui.

Eu tenho que admitir, o senhor Sebastião vale por dez. Rio divertida.

Olho cobiçosa o móvel surrado em madeira antiga, colchão gasto coberto por um lençol azul escuro de estampas florais na cor branca, desgastadas, sua cabeceira descascada, revelando os seus longos anos de uso, estava atrativa.

Por Deus, em outras noites ela não me parecera tão convidativa.

O meu corpo está clamando por uma ducha fria e demorada, mas o soar do alarme do relógio alerta que eu não possuo muito tempo até a hora do jantar. Eu não posso me atrasar, esta noite nós temos muitos motivos para comemorar, e pensando em todo seu esforço em se manter sóbrio, eu irei lhe preparar a sua comida preferida: panquecas com recheio de carne moída.

Quero lhe mimar, sei que não tem sido fácil, mas ele tem se esforçado tanto, que aquece o meu coração. Tem feito por merecer.

Faz exatos uma semana que papai não tem colocado os seus pés naquele maldito lugar.

Em alguns momentos, cheguei a colocar minha fé a prova, mas Deus ouviu as minhas preces e tem lhe dado forças para cumprir a promessa que fez a mim.

O meu peito é tomado pela confiança de que sim, eu tenho fé que não haverá recaídas, não haverá mais uma, duas, três, sabe Deus quantas doses. Não haverá mais zoação dos seus "amigos" de copo, os mesmos amigos que lhe ofereciam a bebida, eram os mesmos que zombavam do estado deplorável em que ele se encontrava, não haveria mais vergonha. E sim, nós sabiamos que nada seria fácil, e eu estaria aqui para lhe apoiar quantas vezes fosse preciso, mesmo que eu ouvisse de algumas pessoas que era perda de tempo, que logo ele estaria na porta do bar, mesmo quando minha tia se opunha e dizia que era cedo demais para comemorar, eu a compreendia, eu sei que ela só queria me proteger caso o meu pai viesse me decepcionar, afinal foram muitas as tentativas de resgatar o homem que ele fora um dia, mas elas estavam sempre lá, as recaídas, dia após dia, lembro-me de cada uma delas.

Como um filme da minha vida, imagens vão tomando forma em meus pensamentos.

Era meu aniversário de dez anos, eu não poderia estar mais feliz, usava um vestido de mangas longas, branco, com rendas vermelha na saia e o laço de fita em cetim vermelha na cabeça, que papai comprara para o momento. Naquela noite, nem mesmo o frio do inverno tirava de mim a alegria de comemorar mais um ano de vida, tudo estava perfeito, como eu sonhava, nunca vi minha casa tão movimentada quanto aquele dia.

Inevitável não sorrir com as lembranças que me invadem.

As mulheres da vizinhança vieram ajudar a minha tia, que logo lhes dera a missão de deixar tudo como eu pedira, brigadeiros e beijinhos sobre a mesa em volta do bolo, com tema de princesas. Eram muitos os balões rosa e branco que tinham duas utilidades, enfeitar e ao mesmo tempo cobrir a velha parede mofada da cozinha, refrigerantes, sucos, carne louca, coxinha, bolinho de queijo e centenas de salgados deliciosos feito por dona Ivete, a salgadeira do bairro.

Era o meu dia, estava completando o meu tão esperado dez anos de vida, e pela primeira vez após muito tempo eu não criei expectativa de que ela fosse me fazer uma surpresa e aparecer. A verdade é que, naquele dia eu não pensei nela, a minha tia havia planejado tudo com tanto carinho, que não tive tempo de pensar em quem não dava a minima para mim.

Os convidados foram poucos, os mais próximos da nossa pequena família, após tudo pronto, todos iam chegando, trazendo consigo uma lembrança, meias, calcinhas, roupas, cada um na sua pouca condição fizeram questão de me presentear. Mas não era com isso que eu me preocupava, nada disso me importava, não, quando ele, a pessoa que mesmo com todos os seus problemas e defeitos, era a quem eu mais amava, e ansiosa, o aguardava. O meu coração batia acelerado a cada ruído que o velho portão de madeira anunciava a chegada de alguém, e a decepção vinha na mesma intensidade quando eu me deparava com mais algum vizinho que sorria feliz por estar ali.

As horas se passavam, mas não havia sinal dele, já estava ficando tarde, os meus convidados tinham que ir embora, no dia seguinte todos seguiriam com suas vidas, então com todo carinho e amor com que ela sempre me tratará, tia Dalva me deu a sugestão de cantarmos os parabéns.

E sim, o som da música já não tinha a mesma emoção, achei que nada poderia ficar pior, ilusão minha, eu acompanhei minha tia até o portão com alguns dos convidados que já se despediram, e quando ela o abriu, todo o meu mundo ruiu.

Vê-lo ali, deitado sobre a vala com alguns vira latas lambendo a sua boca, bêbado demais para conseguir chegar em casa, bêbado demais para se lembrar do aniversário da sua única filha.

Os meus olhos marejaram, foi um misto de raiva, vergonha e ao mesmo tempo, eu sentia pena dele. Um sentimento forte para uma menina que acabara de completar dez anos de idade.

Corri para dentro de casa e fui direto para a velha cama no quarto, fiquei de costas para a cama dele, não queria vê-lo.

Ana, minha amiga, havia me acompanhado e ficou ali comigo me fazendo carinho sem nada dizer, apenas deixando que todo aquele sentimento saísse de mim através das lágrimas. Sobre seus protestos e com a ajuda de algumas pessoas, minha tia conseguiu lhe colocar embaixo do chuveiro, como um bebê que requer cuidados.

Trocaram suas roupas e o puseram na cama, ele resmungava palavras das quais algumas eu não compreendia, outras eram palavrões

que acredito que era quando se referia a minha mãe. Isso me causava medo, eu tinha medo do que o homem que meu pai se transformava poderia fazer contra a mim por sempre dizer que me parecia com ela.

Com a ajuda de dona Ivete, dona Fátima e suas filhas, minha tia deixou a casa organizada e por fim, ela decidiu que nós não passaríamos a noite ali, em um quarto com cheiro ruim de bebida. Escreveu um bilhete para meu pai avisando que nós havíamos ido para a sua casa. E por um momento, me senti aliviada. Queria ter ao menos uma noite de sono tranquila.

Passo a mão sobre o caderno secando uma lágrima solitária que caira ali.

Amava a minha tia, e tudo o quê ela representava pra mim, mas eu tinha que discordar dela, todos nós somos passíveis a erros, papai não era nenhum santo, mas ele estava se esforçando e merecia uma chance, e em retribuição a todo seu esforço, ele merecia este mimo, e sim, isso merecia uma grande comemoração.

Respiro fundo e volto a me concentrar em meus afazeres.

Acomodei a pilha de livros sobre a estreita tábua emprovisada como mesa, e comecei fazer os trabalhos escolares que as minhas constantes faltas no semestre me acarretaram.

(...)

Não sei por quanto tempo eu estive distraida com os meus trabalhos, mas foi tempo o suficiente para perceber que nada do que havia planejado para colocá-los em dia saira como gostaria. Eu tinha os meus pensamentos presos nele como sempre fora, eu vivia por ele e para ele.

Olhei em meu relógio de pulso, e senti um pesar tomar conta do meu peito, um arrepio percorrer meu corpo.

Se passava das oito da noite, papai já deveria estar em casa, mas não havia nenhum sinal dele.

Tento afastar para longe os pensamentos perturbadores, todo meu corpo gelou com a hipótese dele ter dado uma passada naquele maldito lugar. Não, ele não faria isso.

Um nó havia se formado em minha garganta. Enterrei minhas mãos por entre os meus cachos em busca de refúgio para a angustia que invade o meu ser.

— Malu? — eu fui desperta do meu devaneio ao ouvir voz da minha amiga acompanhado dos seus passos vindo do portão.

— Entra, Ana. — gritei tentando esconder a voz embargada. Deslizo as mãos sobre o meu rosto secando as lágrimas antes mesmo que ela notasse.

— Oi, amiga! — ela surge na porta da cozinha com o seu velho e costumeiro alto astral. Adentra o cômodo, me levanto para recebê-la. Logo ela me envolve em um abraço afetuoso.

— O que está fazendo? Eu não a vi hoje o dia inteiro. — me fita minuciosamente ao mesmo tempo que arrasta a cadeira descascada com alguns pequenos fragmentos avermelhado, revelando sua cor original.

— Trabalhos para compensar as faltas. — reviro os olhos em desgosto. Sempre me dediquei para ser uma boa aluna, as faltas eram mínimas e as notas sempre excelentes, sei as dificuldades que uma pessoa da minha classe social possui para adentrar uma universidade e se formar caso queira um futuro melhor, por isso o total empenho. Mas nos últimos meses, foi impossível administrar acordar às 06:00 da manhã e dormir às 04: 00, esperando o retorno de papai que sabe Deus em qual bar havia se metido.

— Malu, você estava chorando? — pergunta com pesar. Não tinha como esconder alguma coisa dela, sempre fora muito analítica à tudo e à todos a sua volta.

Descansei os cotovelos sobre a mesa e apoiei a minha cabeça por entre as mãos, exausta por tudo o que venho vivendo nos últimos anos. Deixei que a minha dor transbordasse pelos olhos.

Por um momento, afastei a garota forte que sempre transpareci, para dar espaço à vulnerabilidade, afinal é muito pesado ser forte o tempo todo. Com os anos, aprendi que chorar não é sinal de fraqueza, muitas das vezes é só um pedido de socorro.

— Ei! — ela colocou suas mãos sobre os meus ombros em sinal de conforto, me forçando a fita-la. O seu sorriso tão marcante já não estava mais ali, ele já havia dado lugar a uma expressão de preocupação. — O quê houve? — pergunta com os olhos marejados. Sua voz era um fio, quase já não se ouvia.

Ana sempre fora assim, coração bom, sensível, não podia ver ninguém chorando que acompanhava o desolado sem mesmo saber qual o motivo das lágrimas.

Suspiro. Passo as mãos sobre o rosto secando as lágrimas.

— Eu só estou preocupada, angustiada, cansada... — fungo — Mas irei ficar bem. — digo numa tentativa de convencer à mim mesma.

— Tem certeza que não quer conversar? Você sabe que pode contar comigo. Posso parecer inerte ao que acontece à minha volta, mas saiba que não gosto de ficar me metendo na vida das pessoas, gosto que se sintam à vontade de se abrir, sem forçar a nada...

— Inerte ao que acontece à sua volta? Você? — minha voz soa trêmula. Eu brinco para quebrar um pouco a tensão.

— Hum! — faz uma careta mostrando a ponta da língua. Rimos.

Respiro fundo. Não quero que ela se preocupe com os meus problemas, ela já tem os dela. Mas, não irei me abrir com mais ninguém a não ser com ela.

— Papai ainda não voltou pra casa, já era para estar aqui. — o medo domina meu corpo, minha alma e posso até dizer o meu ser.

— Você acha que ele voltou a beber?

— Não sei, mas tenho medo. — ela toma as minhas mãos suadas por entre as suas e afaga carinhosamente.

— Mantenha a calma, não vamos pensar no pior, você sabe como é o trânsito em São Paulo, a condução, é tudo caótico, talvez tenha ficado para fazer extra...

— Ele daria um jeito de me avisar. — a fito com pesar querendo acreditar nas inúmeras hipóteses que Ana tenha me dado. Mas eu o conheço muito bem para saber que ele teve uma recaída. — Ele não resistiu, amiga. —digo sentindo lágrimas mornas escorrendo por meu rosto. — Ele não ficou limpo por mais um dia — digo com pesar.

— Sinto muito, amiga — ela respira fundo. — Nem sei o quê dizer.

— Não diga nada, eu mesmo procuro palavras para entender tudo, mas nada consigo encontrar. Ninguém tem culpa alem daquela mulher, e só ela é a culpada de tudo — fungo.

— Ei. Fique calma! — ela se aproximou, abaixando ao meu lado. Carinhosamente me envolveu em seu abraço. — Você quer ligar para a sua tia?

— Não! — digo num sobressalto. — Não vou preocupar a minha tia com as coisas de papai. Ela já tem coisas demais para se preocupar, e sei exatamente as palavras que ela vai dizer: "Eu disse para você não criar expectativas."

"Seu pai não vai sair dessa."

"Eu já disse pra você vir morar comigo e deixar ele aí."

"Vá viver a sua vida, querida, você é jovem demais para viver presa a um homem rancoroso que não se perdoa."

Respirei fundo exausta.

— E o quê vou fazer, amiga? Deixo ele aqui sozinho? Ele vai morrer. Não posso abandoná-lo. Ele é o meu pai. Eu o amo. — funguei.

— Fique calma. Vamos esperar ele chegar e depois vocês conversam com calma.

— Você tem razão. Eu tenho que me controlar. Melhor, enquanto ele não vem, vou preparar o jantar.

— Isso. Vou te fazer companhia.

— Obrigada, amiga. Eu não sei o quê seria de mim sem você. — me levanto e lhe dou um abraço apertado.

— Eu tenho que concordar. — diz com um sorriso presunçoso estampado em seu rosto.

— Convencida. — eu rio divertida.

Enquanto preparava o jantar, ia ouvindo Ana que triste, mais uma vez declamava o seu amor platônico por um dos nossos melhores amigos, quem ela insistia em dizer que nutria algum sentimento por mim.

— Você já experimentou contar à Augusto o quê sente? Talvez ele esteja apenas esperando que você dê o primeiro passo. — eu dou de ombros.

— Está louca! Eu não estou a fim de levar um fora ou ouvir ele dizer que gosta da minha melhor amiga. — bufou — O quê seríamos? Um triângulo amoroso? — rimos.

Ana e seu inconfundível bom humor.

— Não! — fiz uma careta em resposta — Dispenso. Obrigada. —

ela gargalha divertido.

— Malu! Malu! — fomos desperta por um som de aglomeração que se ouvia do lado de fora. Senti o meu corpo inteiro gelar, o meu coração batia num ritmo frenético, minha intuição me dizia que o pior havia acontecido.

Eu sai em disparada deixando Ana para trás, mas não demorou para que ela se juntasse a mim. Ao sair pelo corredor, o embarçar dos meus olhos me impediam de indentificar quem eram as pessoas que se aglomeravam a frente da minha casa. Ofegante, paro em frente ao portão velho.

— Malu. — Tiago, filho de dona Ivete disse esbaforido. Meu peito apertou ao contemplar seu olhar de piedade sobre mim.

— O quê houve?! — grito sentindo o aperto ainda mais intenso no peito. — Fala Tiago, o quê aconteceu?! — Ana se coloca ao meu lado, envolve um braço em volta de um do meus ombros enquanto a outra mão pousa sobre o outro.

— O seu pai. — sua voz soa contrita, o meu corpo estremeceu, as minha pernas bambeam no exato momento em que ele pronunciou essas palavras.

— O quê houve com meu pai? — engulo em seco, angustiada.

— Ele sofreu um acidente. — sinto pesar em sua voz.

— Como assim sofreu um acidente?! — lágrimas inundam os meus olhos. — Tá, ok, mas ele está bem não está?!

O silêncio que se instalou entre nós e ensurdecedor.

— Fala, Tiago! Você está me deixando nervosa!

— Eu sinto muito. — sua voz soa como um fio.

— Onde ele está? — gritei aflita não querendo mais ouvir nada. — ME DIZ, TIAGO, ONDE ELE ESTÁ? — grito descontrolada entre lágrimas.

— Amiga, se acalme. — tenta me confortar.

— A polícia e o resgate foram chamados, mas... — alguém dizia. Estava nervosa demais para reconher a quem pertencia a voz.

Essas palavras entraram como uma faca afiada sobre o meu peito, rasgando tudo.

— Amiga, fique calma. — a voz de Ana soa embargada.

— Quero ver o meu pai! — levo as mãos ao meu peito numa tentativa frustrada de fazer com que aquela dor passasse. Lágrimas banharam meu rosto.

— Malu, se acalme, vamos entrar, você bebê um pouco de água e depois nós...

Tentei correr, mas fui impeça por fortes mãos que envolveram em volta dos meus ombros.

— ME SOLTE, THIAGO. ME SOLTA. QUERO MEU PAI, EU QUERO VER O MEU PAI.

Me debati, bastou um deslize para que eu saísse correndo a caminho da pista, ao longe já podia se ver o seu corpo envolto por um lençol branco. Havia muito sangue pelo chão e alguns curiosos a sua volta.

— PAI! — grito desesperada. — PAIZINHO...

Ao me aproximar do corpo, sou impeça por polícias que haviam isolado o local.

— É o meu pai, moço, deixe-mr vê-lo, por favor. — suplico fungando.

— Moça, você não tem condições de vê-lo, alguém poderá reconhecer o corpo em seu lugar, a cena é forte, se acalme. — dois policiais, um homem e uma mulher se aproximam. Eles me amparam e me afastam para um pouco longe dali.

— Só após o reconhecimento nós vamos dar a certeza de que seja realmente o seu pai. — diz uma policial calmamente, compadecida.

Por um breve momento, um fio de esperança renasce em meu coração, mas é mandado para longe na mesma velocidade que viera quando os meus olhos percorrem ao redor e vejo seus pertences espalhados pelo asfalto. Uma mochila azul de escola, que ganhara da neta de dona Adelaide para levar seus pertences de trabalho. Os seus velhos sapatos mocassin preto surrados, e a sua velha companheira marmita de alumínio com a inicial do meu nome para diferenciar das dos colegas. Eu não tinha dúvidas. Sim, era o meu pai.

— Levanta daí, pai, levanta.

Você me prometeu que nunca deixaria, você disse que iria me ver formar, você disse que iria entrar comigo na igreja. — fungo.

Quem eu vou cuidar agora, de quem eu vou sair perguntando de bar em bar porque eu não sei onde você está? Quem vai trazer salgadinho para mim à noite quando chegar do serviço, como um pedido de desculpas pelo atraso?

Queria só mais alguns minutos com você e dizer o quanto eu te amo. Que nem mesmo todo os seus defeitos eram o suficiente para impedir de te amar. Eu nunca, nunca vou perdoa-la pai por ter te deixado, nunca.

Seu Sebastião, o senhor deixou um buraco enorme no lugar do meu coração.

Ele não respondeu, pós ali já não existia mais vida.

Uma semana depois...

— Oi, querida, como você se sente? — minha tia se senta no banco ao lado da cama, acariciando meus cabelos.

— Tudo dói, tia. Cabeça, corpo e coração. — lágrimas banham meu rosto.

— Eu sei, querida, eu também me sinto assim.

— Olhar tudo isso aqui onde eu pensei que viveria ao seu lado pelo resto das nossas vidas sem ter nada que um dia fora nosso, tudo frio, tristeza. alA saudade que sinto dele a cada dia mata um pouco de mim.

— Não diga isso, meu bem, não diga isso, o seu pai não gostaria nada de te ver assim. — ela se junta a mim no pequeno móvel, me envolve em seu abraço afetuoso. — Eu não suportaria perder mais ninguém que amo. - beija minha cabeça.

— Maluuuuu! — Ana esbaforida adentra a porta da sala.

Ofegante, ela descansa as mãos sobre os joelhos, os seus cabelos castanhos escuros caem sobre seu rosto cobrindo-os.

— Amiga! — sua voz soa mais melosa do que o costume. — Pensei que eu não conseguiria alcançar você. — seu rosto vermelho pela corrida estava banhado pelas lágrimas.

— Eu jamais iria sem me despedir. — meus olhos lacrimejam.

— Meu Deus, eu não estou acreditando que você está indo embora, Malu, eu... — sua fala é cortada pelo choro descontrolado.

— Ei, não, não fique assim. — me levanto da cama e vou ao seu encontro, ela também se aproxima diminuindo nossa distância a envolvo em um abraço consolador. — Irei sentir a sua falta, amiga. — funga. — Não vá me esquecer.

— Obviamente que não. A nossa amizade nunca foi e nunca será questão de estarmos juntas todos os dias, eu te amo e te amarei até mesmo se nunca mais nos voltemos a nos ver. Você é um dos melhores presente que a vida me deu, Ana. — eu a afasto.

Por um momento seco suas lágrimas, coloco uma mecha dos seu cabelos atrás da orelha.

— Eu amo você, nunca se esqueça disso, você está me entendendo? — ela assentiu com a cabeça, ainda sobre lágrimas.

— Eu também te amo. — por fim diz com a voz entre cortada.

— Você pode me ligar na hora que quiser não pode, tia? — eu me viro para ela que com o seu sorriso solícito assente com a cabeça.

— Claro, meu bem, e quando quiser ir passar o final de semana lá em casa, pode também.

— Viu? Não pense que isso aqui será um adeus, mas sim um até breve. — eu volto a lhe envolver em meus braços.

— Obrigada, dona Dalva. — ela sorri com o canto dos lábios sem mostrar os dentes.

— Amiga da minha Malu é minha amiga também. — sorri amistosa.

— Dalva?

— Oi. — minha tia se dirige até a cozinha.

— O carro chegou. — tia Lúcia disse ao se colocar diante a porta. Estava vestida em seu velho roupão de banho branco, cabelos presos em um coque frouxo no alto da cabeça, seu semblante também era de tristeza, e tinha como não ser, todos aqui vivíamos como uma família.

Compartilhavamos alegrias, tristezas, desentendimentos, reconciliações, conquistas e perdas. Eu convivo com essa família desde que me entendo por gente, e não teria como ser diferente.

Despedidas são inevitáveis, mas as recordações são para sempre.

— Chegou a hora, querida. — tia Dalva anuncia com pesar na voz. Assento com a cabeça em concordância, limpando meu nariz com o dorso da mão.

— Vamos. — pego as minhas poucas malas, uma caixa de sapatos com alguns documentos e a fita que eu ganhara de papai quando eu ainda era uma criança. E saímos a caminho do carro estacionado em frente ao portão velho a nossa espera.

Eu não tinha me preparado para tantas mudanças como as que a minha vida sofreu nos últimos dias, foi tudo tão derrepente que mal tive tempo de me preparar, se é que isso é possível.

Apesar de sabermos que nossa vida é uma constante metamorfose, ainda assim nunca estamos prontos. Eu não sei se em algum momento eu irei me recuperar.

— Tchau, amiga. — Ana me abraça carinhosamente, beijando o meu rosto. — Não deixa de me dar notícias.

— Claro que não. — acaricio o seu rosto.

— Tchau, tia Lúcia. — ela me envolve em seu costumeiro abraço apertado.

— Tchau, querida, sentirei muito a sua falta, se cuide e cuide de sua tia. — passa as mãos sobre o rosto numa tentativa de esconder as lágrimas, mas foi em vão.

Ela nunca gostou de demonstrar sentimentos, mesmo que todos saibam o quanto é sensível e bondosa.

— Está bem. Se cuidem também.

A despedida foi breve, mas cheias de sentimentos, antes de entrar no carro, eu olho por alguns segundos o lugar que um dia fora meu e que chamei de lar.

Com todas as dificuldades, é um lugar que ficará apenas guardado nas minhas lembranças.

Aceno com a mão para Ana, que inconsolável chorava sobre os ombros de tia Lúcia e algumas vizinhas que vieram se despedir.

O carro toma distância. Eu deixo para trás as pessoas que amo, e que fizeram parte da minha vida com o mesmo sentimento de luto que me aflige.

— Vamos viver uma nova vida, querida, você é muito mais forte do que pensa, irá atravessar essa tempestade por sobre as águas e todas as outras que surgirem em seu caminho. Nada do que você viveu aqui será apagado, mas quero que você foque na sua vida daqui para frente. Não estou dizendo que é para esquecer tudo o quê viveu aqui, com essas pessoas que de alguma maneira esteve presente em sua vida como uma família. Mas olhe bem, querida, eu quero que você siga em frente e tenho certeza que é isso o que seu pai também iria querer. — assinto com a cabeça. — Você vai ser muito feliz, Malu, nem que seja a última coisa que eu faça em toda a minha vida.

Tia Dalva tem um grande coração, mas já sofrera muito na vida para se deixar abater. É prática e objetiva, mas isso não impede que sinta.

Sorrio para ela agradecida.

In memorian,

Alexandre de Souza

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