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Bastardos da Máfia

Bastardos da Máfia

5.0
36 Capítulo
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Sinopse

Índice

A cada morte, uma nova palavra. Londres vivia sob o terror de um rastro de corpos por cada centímetro da cidade. Eles acreditavam ser somente uma disputa entre assassinos rivais até que estes começaram a conversar através dos corpos. Então, tornou-se uma sina: um assassinato, uma nova mensagem. Na teoria, eles são predadores lutando por terrenos de caça. Na realidade… Nicolas Berrychoth era o chefe da máfia britânica à procura da assassina russa que já havia tentado matá-lo. Mas, diferente do que a maioria pensava, ele nunca quis pagar na mesma moeda. Não antes de conseguir tê-la das formas mais perversas para si. Nicolas só precisava descobrir o rosto da mulher que se tornou a sua mais louca obsessão. O que ele não imaginava, era que já a conhecia, mas sob outra identidade. Clara Rossi era a mulher que assombrava seus dias e o fazia sentir coisas que nunca quis. "Mantenha os aliados por perto e os inimigos mais perto ainda", foi o que disseram. Mas essa regra não deveria se aplicar à Srta. Rossi. Não quando havia algo nela que o atraía. Ela era sinônimo de tentação. E eles, sinônimo de proibido. Principalmente, quando as linhas entre aliados e inimigos pareciam cada vez mais estreitas. Agora, restava decidir se ele a tomaria para si e a protegeria a qualquer custo ou a tornaria mais uma de suas presas antes que ela destruísse o seu império.

Capítulo 1 O Mafioso

09 de maio de 2007

Existem três tipos de homens: os que têm algo pelo que viver; os que têm algo pelo que

morrer; os que têm algo pelo que matar...

Eu sou os três.

Theodore Berrychoth fez questão de se assegurar disso. Dia após dia, descontando seus

negócios falidos com a fivela do cinto, rasgando minha carne a cada vez que o metal frio a

atingia.

Seu maldito cheiro familiar já se misturou tantas vezes ao ferroso do meu sangue a ponto

de parecerem uma coisa só.

Um sendo a consequência do outro.

Se eu pudesse aspirar o seu perfume cítrico, saberia que em breve meu sangue respingaria

pelo chão da sala... ou do quarto... ou da garagem... ou da cozinha...

Quando criança, comecei a respirar fundo sempre que o som da porta da frente de casa

soava. O baque surdo, o arranhar das suas botas pesadas no chão de madeira polido ou seus

berros chamando minha mãe eram gatilhos para eu segurar o ar por entre as paredes altas e

brancas do meu quarto, me agarrando a uma lógica infantil como um pagão proclama sua crença,

esperando perdão: Se eu não sentisse o seu cheiro, seu cinto não cortaria a minha carne.

Mas, independente de prender o ar até milhares de pontos pretos começarem a aparecer

para onde eu olhasse, meus lençóis ainda eram trocados todos os dias, escondendo as rajadas

avermelhadas dispostas no tecido.

Em um looping sem fim.

Tão comum quanto o som da mamãe tocando piano.

Tão comum quanto o cheiro de bolo de chocolate em todo café da manhã.

Tão comum quanto as cicatrizes nas minhas costas.

Elas mal se tornavam brancas para receber outro golpe e, mais uma vez, ganhar tons entre

o vermelho e o roxo.

Isso é para eu nunca esquecer o peso do seu fracasso.

Ou seus sussurros manipuladores a cada gota de sangue escorrida, destacando minha

inferioridade perante a todo o poder e mão de ferro usada entre seus homens.

Aos seus olhos azuis-acinzentados, eu era fraco.

Theo só não bostejava sobre eu ser um bastardo de sangue impuro, pois meu rosto era

uma cópia fiel e ingrata do seu. O mais parecido dentre todos os meus irmãos.

E o único acostumado com o seu olhar enrugado e o rangido incomodante de seu queixo

após cada surra, desde os primeiros passos. Sempre senti o peso da sua mão antes dos meus

irmãos. Theo gastava toda a sua força e vitalidade em mim, chegando ao limiar da fadiga para

sequer terminar em qualquer um deles.

Eu preferia assim.

Ninguém deveria saber o real peso da mão de Theodore Berrychoth.

A não ser eu.

O mais velho dos irmãos.

A função de protegê-los do limbo de crescer sobre as mãos manipuladoras do nosso pai

era minha. Nathaniel e Matteo nunca deveriam pensar que tinham culpa ou que eram péssimos

filhos.

Porque meus irmãos não eram iguais a mim.

Eles não sabiam ser castigados em silêncio.

Seus lamentos baixos ou chiados de dor só faziam a força de Theo aumentar contra seus

corpos novos.

Eu estava ajoelhado aos pés do meu pai, mais uma vez, por eles.

Para livrá-los disso. — Sua necessidade de proteger seus irmãos irá torná-los fracos — rosnou ao pé do meu

ouvido. — E você será o culpado por suas mortes, Nicolas. É isso o que quer?

Meus punhos se fecharam, forçando o pulso nas correntes de metal, como se fossem

pulseiras de ouro. O único sinal de rebeldia demonstrado diante dos seus passos ao meu redor.

Por mais que o ódio borbulhasse nas veias, pedindo para descontar em seu corpo fraco e

magricelo perante a mim, cada um de seus socos sinalizava uma hierarquia, a qual permitia

Theodore fazer o que quisesse comigo.

Afinal, ele tinha seus direitos de pai e um pai sabia muito bem como educar sua prole. E

repetiu isso em todos os poucos questionamentos maternos recebidos durante a minha infância.

Quando se irritou, na terceira tentativa de Aria, minha mãe, de intervir, deu-lhe um tapa tão forte

em seu rosto fino que nem mesmo as mais caras tinturas conseguiam cobrir a mancha arroxeada

no alto da bochecha dela.

No dia seguinte, Aria ganhou um colar de esmeralda com pedras tão grandes que

pareciam uvas. E ele nunca mais foi questionado sobre os seus métodos. — Está querendo bancar o super-herói, imbecil? — Não. — Mordi a parte interna da boca. — Só ser mais decente do que você!

Minhas palavras escaparam com naturalidade, assim como foi natural eu cuspir o sangue

e a saliva perto dos seus pés depois de seu punho encontrar seu caminho certeiro até a minha

mandíbula mais uma vez. — O que ganha com isso, Nicolas? — pausou, sem concluir. — Quer ser mais decente do

que eu, mas o que você tem para tal? Carinho dos seus irmãos, pena da sua mãe, o que mais? É

isso o que vale a sua decência? Atenção?! — Respeito.

Um silêncio sepulcral tomou a arena, fazendo meus olhos irem até o seu rosto e

presenciar o exato momento em que Theodore não riu. Ele gargalhou.

Movimentando seus ombros pela força de sua risada. — Moleque, eu que tenho respeito. — Neguei com a cabeça.

Meu pai não tinha o respeito de ninguém, o medo só estava a seu favor.

E só comprovou isso quando o movimento negativo da minha cabeça foi freado com

brusquidão por seus dedos pinçando meu queixo. Ele puxou, não só o meu rosto para a frente,

como o meu corpo todo, deixando meu peso se pendurar totalmente nas correntes em volta dos

pulsos. — Olhe para a frente — ordenou. O barulho da areia chutada por suas botas penetrava

meus ouvidos na mesma intensidade que os berros de seus homens sentados na arquibancada

para assistir o show de um pai exterminando a vida de seu filho. — Eles temem o meu nome,

Nicolas. Eu mando e eles obedecem. Eles não me questionam. — Isso não é lealdade, isso é medo.

Seus lábios voltaram a se repuxar, com um único entreolhar e meneio de cabeça, um de

seus homens andou para fora da arena.

Pela primeira vez na noite, eu o temi.

Eu sabia o que isso significava.

O que aquele soldado iria buscar.

Quem. — Não, querido filho… — Theodore forçou um falso carinho na voz. — Isso é

obediência! Algo que, se continuar agindo como um fraco de merda, nunca irá conseguir ter de

nenhum deles.

Bufei falsamente, segurando o instinto de revirar os olhos.

Me mostrei mais uma vez o garoto rebelde para aplacar a ansiedade percorrendo cada

centímetro meu. Esperava seu foco nas minhas atitudes supérfluas para mascarar todos os

segundos olhando para onde o seu soldado saiu e só voltaria quando estivesse com o meu irmão

mais novo a rebote. — E algo que, pelo visto, eu falhei muito em te ensinar também.

Ah, esse é só o primeiro item da lista.

Theodore se afastou até alcançar as grades de metal que nos cercavam e atirei meu peso

de volta aos joelhos de pele desgastada, irritado com os círculos vermelhos e flamejantes

contornando a carne dos meus pulsos. As lacerações demorariam algumas semanas para se

tornarem linhas brancas.

Por outro lado, a dor já era tamanha que as pequenas queimaduras de atrito com o metal

nem causavam tanto efeito, perto do espetáculo montado por meu pai. Já durava horas. Ao

menos, meu corpo sentia como se horas infernais tivessem passado por ele.

Eu estava deplorável.

Talvez só não pior do que a mediocridade da arena. Ela se assemelhava a um coliseu

romano com grades do teto ao chão, prendendo quem fosse lutar em um fosso sem saída. Era

grande e, mesmo assim, calorenta. O chão de uma areia um dia branca, mas, hoje, tão escura

quanto o moletom rasgado protegendo a parte inferior do meu corpo.

A parte superior estava suspensa por uma corrente que vinha do teto, os braços presos

para o alto e eu ajoelhado no meio do coliseu particular de Theodore.

Os gritos aumentaram à nossa volta, eram ensurdecedores. Esperava assistir meu pai

vindo em minha direção, querendo testar mais um de seus brinquedinhos cortantes, mas ele

andou para o lado oposto.

Bom, eu deveria agradecer ou qualquer coisa semelhante a isso, se não tivesse visto o

meu irmão de quatro anos entre as passadas de suas pernas, ajoelhado e preso como eu.

A insegurança contraiu as minhas entranhas, logo tornando-se violenta. — Você está aqui, Matteo, por culpa do seu irmão, que é incapaz de calar a boca e aceitar

que eu eduque vocês. Então, quando chorar — Theodore puxou os cabelos castanhos-escuros do

meu irmão para trás —, lembre-se de quem é a culpa... dele.

Apontou para mim com o dedo em riste e em seguida começou a desatar a fita de couro

presa em seu quadril com calma. Observei quando os músculos de Matteo vibraram sob a camisa

desgastada. Lágrimas grossas banharam o rosto jovem à espera da dor.

Ela veio seguida do estalo de couro no ar.

Nosso pai levantou a mão uma segunda vez, mas não bateu. Ainda.

— Sabe… bater em você, Nicolas, nunca solucionaria, não quando você não sente mais o

peso correto da minha mão pelo costume. Mas nesse pequeno pirralho, ou no outro? Isso me

daria muito mais resultado. Assim, você irá aprender.

Mesmo de longe, arreganhei os dentes e impulsionei meu corpo para a frente, remexendo

os braços na tentativa inútil de me soltar. — Prometo que, na próxima, o couro estará encerado para os estalos serem mais altos,

querido filho! — E desceu o cinto. — Ainda irá insistir em me desobedecer, Nicolas?

Avancei mais uma vez, sentindo minha mão travar nas algemas metálicas. — Creio que isso seja um sim!

Minha respiração estava ofegante ao som do terceiro estalo.

Toda atitude possui uma consequência, Theodore sempre disse.

Matteo estava pagando por mim, porque eu não queria vê-lo sofrendo.

Todo o meu esforço não tinha adiantado de nada. — Tire a blusa, Matteo. Agora.

Theo não gritava. Nunca.

Eu também não. Mas, agora, ansiava por isso.

Queria mandá-lo parar e me colocar no lugar de Matteo.

Eu queria matá-lo.

Meu irmão levou seus pequenos dedos aos botões da camisa, tremendo.

E eu fechei os olhos, respirando fundo.

Eu iria matá-lo.

Matteo era somente uma criança.

A adrenalina correu solta pelo meu corpo.

A dor estava em algum lugar dentro de mim, esquecida e de mãos dadas à sanidade.

Que se foda! Mais uma dose dela não seria o suficiente para me derrubar. Já havia

quebrado ossos o bastante para ter uma noção de todos os xingamentos que eu ecoaria.

Eu iria fazer Theodore parar.

Quando a blusa de Matteo foi escancarada, três marcas vermelhas estavam em seu peito,

do mesmo tom do seu nariz fungando e do lábio preso entre seus dentes de leite para evitar outro

grito.

Theodore levantou a mão pela quarta vez.

Eu iria fazê-lo parar.

Espremi meus dedos uns nos outros, sem me importar de quebrá-los para me tirar de uma

das algemas. Os estalos dos meus ossos frágeis se rompendo eram mínimos perto dos gritos altos

vindos da arquibancada. Puxei o ar mais uma vez, cerrando os olhos e embolei os dedos dos pés

na tentativa de conter todas as rajadas dolorosas até a minha mão esquerda cair flácida ao lado do

corpo.

Doía para um caralho.

Entretanto, meu foco não estava em como o meu polegar e mindinho pareciam apenas

cascas moles e, sim, nas duas pessoas do outro lado.

No choro baixo do meu irmão reverberando no meu imaginário tão alto que mal pude

ouvir os suspiros chocados ao me verem solto.

Theodore, focado em depositar a sua fúria, não deu atenção alguma ao que os seus

soldados fiéis berravam. Seu foco em machucar meu irmão caçula me deu a oportunidade

perfeita para trabalhar na minha outra mão presa a fim de me libertar de uma vez e agarrar todos

os dedos funcionantes na garganta dele.

Eu iria fazê-lo parar.

Meu frenesi só foi quebrado ao sentir os dedos direitos agarrarem o linho caro e

exclusivo do terno de Theodore. Curvando-me para trás, não levei mais do que um instante para

as polpas dos meus dedos acertarem seu rosto envelhecido.

O cheiro cítrico inconfundível dele tomou o oxigênio por completo, assemelhando-se a

um alucinógeno. Eu não sentia dor. Na verdade, mal sentia as incontáveis vezes que soquei o

rosto dele como um bicho furioso.

Theodore tentou se defender.

Mas eu era a personificação da raiva.

Pura.

Maligna.

Incontrolável.

Mas foi o som de um dos seus joelhos contra o chão que silenciou tudo.

Todos os seus homens.

Olhei-o por cima, invertendo nossos papéis. O contato visual não se alongou muito.

Theodore abaixou a cabeça e cuspiu sangue nos meus pés.

Era, sem dúvidas, uma visão satisfatória para os meus olhos.

Isso precisava parar.

Eu o faria parar.

Tentando conter o temperamento explosivo, um exalar alto e contido saiu pelos meus

pulmões. Controle nunca foi uma palavra presente dentro de casa. A calma e a contenção

fingidas não eram reais. Theodore sempre foi sádico.

Um sádico de merda.

Talvez eu também seja um, já que nada me faria parar.

Ninguém me convenceria a repensar.

Nem mesmo as palavras furiosas saltando de minha garganta: — Um péssimo filho é apenas reflexo de um péssimo pai, Theodore.

O homem me encarou com todo o desprezo mútuo que eu retribuía por ele. — Um péssimo filho é apenas o sinal do erro de um pai, Nicolas.

Puxei os lábios, sentindo os pontos de um corte recente. — Me certificarei de cometer o último erro que poderá presenciar, então.

Deixei minhas palavras se assentarem em sua alma, sussurradas no tom mais letal

empunhado por mim em toda a vida. E esperei Theodore Berrychoth finalmente entender que o

limiar da sua existência estava nas minhas mãos…

Nas mãos do inútil…

Do fraco…

Do imbecil…

Do filho ingrato… — E serei o seu pupilo digno de nota, sabe por quê? — questionei da mesma forma que

Theodore sempre fazia. — Esperou todo esse tempo para fazer algo decente? — A primeira vez precisa ser algo memorável.

Me abaixei minimamente para buscar o cinto de couro no chão. Seu peso me assombrará

por dias. Porém, nada me satisfaria mais do que usar a parte fina da fivela do cinto protagonista

de cada surra que recebi como a lâmina de uma justiça pagã e cortar sua garganta, misturando

meu cheiro mentolado ao metálico do seu sangue.

Em um novo padrão. — Memorável igual a todas as surras que levei ou a todas as madrugadas que passei

agonizando sozinho, não acha?! — Enrolei o cinto na mão. — Fazer você, querido pai, pagar na

mesma moeda ao menos uma vez. — Vingança não é um sentimento que deveria cultivar, Nicolas. Não quando quer ser

mais decente do que eu.

Ri, sem achar graça. — Eu me mantive calado por anos, abaixei a cabeça e aceitei todas as merdas que fez

comigo. — Com uma das mãos apoiada no quadril, senti os dedos quebrados latejarem ao se

restringirem em punho. — Uma hora ou outra teria que descontar o peso do que você me fez

passar em alguma coisa. E pelas minhas contas, esse é um belíssimo momento.

Sarcasmo pingou igual veneno da minha voz ao passo que a minha descrença raivosa

chiava dentro dos membros. — Ou você discorda, pai? — Gostaria que eu discordasse para lhe dar o prazer em fazer o exato oposto? — Seus

olhos azuis-cinzentos deslizaram por toda a minha estatura, o queixo pontudo rangendo. — Até

mesmo agora você evita acabar com tudo de uma vez. Pare de fazer perguntas e tentar justificar o

fato de que mataria seu próprio sangue como um traiçoeiro filho da puta.

Cedeu-me um sorriso e eu retribuí o gesto a contragosto. — E se isso te deixa mais tranquilo, primogênito, eu, no seu lugar, não hesitaria um único

instante em matar você. Acabaria com a minha fonte de desgosto de uma vez, porque, assim

como você, eu já fui o bastardo a desejar matar o próprio pai — o timbre grave se elevou alguns

decibéis, impaciente. — Seu avô morreu na mira da minha arma e foi enterrado igual a um

indigente.

Dei um passo à frente.

Os rosnados da plateia aumentaram. Eles não poderiam fazer nada. Impunes pela

hierarquia a que tanto exaltavam. Apenas pela minha herança genética, cada soldado enraivecido

não levantaria uma arma sequer contra mim ou colocariam suas vidas e a de todos os seus

parentes em uma guilhotina pública por atentado ao sangue regente.

Seriam considerados traidores e pagariam como um.

Nenhum deles poderia me parar. — Minha morte te torna tão sem decência quanto eu, Nicolas. — Armou-se de uma

expressão penosa e manipuladora buscando um poder de ludibriação há muito tempo perdida. — Theodore, nossa relação de pai e filho está além da manipulação ou do perdão que

poderia fazer o resultado disso aqui ser outra coisa, que não você morto.

Brinquei com a fivela, estirando a parte de encaixe do cinto para fora, da mesma forma

que faria para tirar a parte da lâmina de um canivete de sua proteção. — E se te matar é o preço que preciso pagar — apertei seu queixo —, eu já o aceitei há

anos.

A adrenalina e o ódio pulsaram em um conjunto doentio nas minhas veias, substituindo o

sangue tão rapidamente que eu não senti meus movimentos até ter atravessado o metal fino de

fora a fora na garganta do homem denominado meu pai.

A enxurrada de ódio logo se tornou nada.

E esse estranho vazio refletiu o meu alívio puro e genuíno perpetuado no peito ao olhar

para Matteo e perceber que nenhuma marca permanente seria deixada em sua pele.

Nem hoje. Nem nunca mais.

Ao menos, um dos meus irmãos, eu tinha protegido dele.

Matteo não desviou o seu olhar do meu por nenhum instante, fixos no meu rosto com um

leve sorrisinho infantil rasgando as bochechas sujas de areia, mostrando de forma quase literal

uma janela no incisivo esquerdo. Um sorriso ao qual eu faria de tudo para preservar. E poder ver

na sua vida algo que eu nunca tive: uma infância minimamente feliz.

Theodore tentou respirar, puxando o ar uma, duas, três vezes… Suas mãos subiram para a

garganta, num reflexo para preservar a sua medíocre vida, apertando e tentando estancar o corte.

Talvez todos os anos que passou dizendo que éramos muito diferentes e, por isso, eu era

um erro, surtiram o efeito reverso.

Não éramos tão diferentes assim, porque eu queria que meu pai agonizasse, sentindo a

dor se alastrar como uma doença contagiosa, assim como me deixou no chão desacordado e

sangrando todas as vezes.

Então, eu retirei cada um de seus dedos envoltos em sua traqueia e deixei cada mínima

gota de sangue escorrer até nos banhar em vermelho-escarlate.

Minha outra mão ainda apertava o queixo rígido de Theo no instante em que subi o olhar

para cada um dos homens sentados naquela arquibancada esperando o show que seria a minha

punição. Procurei entre todos eles, um rosto velho, enrugado, coberto por uma barba de fios

brancos.

Não demorei muito para achá-lo.

Focalizei meus olhos no padre que abençoava todos os regimes dos chefes que

assumiram a organização para entoar alto e claro, mesmo diante de sua face de desgosto: — Nascido em discórdia, herdeiro por sangue, jurado pela Ordem. Esse é o meu destino.

Meu legado. Minha salvação.

O início do juramento ecoou junto a abismados xingamentos. Eu matei o chefe deles, meu

pai, na frente de todos. E, com o sangue dele esfriando nos meus dedos, tomei o seu lugar. — Aqui, em frente de toda a Ordem, eu, Nicolas Howard Berrychoth, estou honrando o

meu legado e assumindo a minha posição. Pela minha alma. Pela minha honra. Pelo meu sangue.

Eu pego o que é meu por direito.

Eu o fiz parar.

De uma vez por todas.

Theodore Berrychoth só poderia me incomodar nos meus pesadelos agora. — Sem desertores… — continuei, olhando firme para o padre.

Ele pediu perdão aos céus por todas as almas. E se ajoelhou perante a mim como seu

Deus, trocando muito rapidamente a quem cederia a sua obediência.

Um por um. Cada homem presente se ajoelhou aos meus pés. — Sem traições…

Sejam soldados, generais, membros da Ordem. Todos eles colocaram ambos os joelhos

no chão.— Sem segredos…

E observaram quando fechei minha mão em punho, apertando a fivela até um novo corte

surgir e mais sangue banhar o altar para selar a celebração de forma definitiva. — Pela minha vida. Pela minha morte. Eu juro pela minha alma e a alma ceifada essa

noite que o juramento se perpetuou.

Eles repetiram a frase em um grande coral e abaixaram suas cabeças em sinal de respeito

ao mais novo chefe da máfia inglesa.

Eu.

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