Lívia, com 25 anos, observava tudo com olhos cansados, sem nunca conseguir se desligar das memórias amargas que a atormentavam desde os 18, quando sua mãe a "apresentou" ao negócio. Era o dia em que ela deveria estar comemorando sua maioridade, fazendo planos, sentindo a liberdade de ser dona de si mesma. Mas, naquela noite, foi forçada a perder muito mais do que sua inocência; perdeu o controle sobre sua vida.
-Você não entende, Lívia, sua mãe dissera, as palavras saindo secas e firmes. "Esse lugar é o que sustenta o teto que você dorme, a comida que você come. Se não fosse pelo bordel, estaríamos na rua."
-Se isso é o que sustenta a nossa casa, eu preferia não ter uma, Lívia retrucara, desafiadora. Mas Estela não ouviu. Como sempre, para ela, o bordel era a única chance de sobrevivência.
Lívia ainda se lembrava do som da porta fechando atrás dela naquela noite, o estalo frio ecoando como um ultimato. O homem rico a aguardava, com um sorriso no rosto e o olhar faminto. Ela mal conseguia respirar. Tudo nela implorava para fugir, mas, pressionada por Estela, acabou cedendo. Aquela noite deixou uma cicatriz que jamais se curou.
Hoje, anos depois, a situação não mudara. Embora terminando seus estudos, ainda morava com a mãe. Não tinha para onde ir e, de vez em quando, Estela a pressionava para "ajudar com as despesas" ao atender alguns dos melhores clientes. Mas Lívia não era mais a garota ingênua e assustada que fora aos 18; agora, ela tinha um olhar frio e endurecido pela dor e pela traição.
Naquela noite, enquanto ajeitava a blusa no espelho e tentava esconder o desgosto em seus olhos, Estela entrou no quarto sem bater, como de costume.
-Hoje temos um cliente especial, disse sua mãe, num tom quase satisfeito. -Ele paga bem. Quero que vá com ele.
Lívia cruzou os braços, encarando a mãe. -Eu estou cansada disso, mãe. Cansada de ser vendida para salvar seu bordel.
-É a nossa única chance, Lívia. Esse lugar é tudo o que temos. É o que nos dá dinheiro rápido, muito mais do que qualquer outra coisa.
O silêncio tomou conta do quarto. Era como se uma barreira invisível de amargura e mágoa estivesse entre as duas, algo que nem os anos, nem as desculpas poderiam quebrar.
-Eu nunca vou te perdoar por isso, disse Lívia, a voz embargada, mas cheia de força. -Você destruiu qualquer chance que eu tinha de uma vida normal.
A mãe desviou o olhar, mas sua expressão se manteve firme.
-Então não me perdoe, Lívia. Apenas faça o que precisa ser feito. Eu só quero que sejamos fortes...
Enquanto a mãe deixava o quarto, Lívia sentiu o peso daquela vida desmoronando sobre seus ombros. Não era a primeira vez que se sentia aprisionada, mas algo naquela noite parecia definitivo, como se aquele cliente fosse o ponto final de uma história que ela jamais escolhera para si mesma.
Sentada na beira da cama, Lívia respirou fundo, enquanto o som das portas se abrindo e fechando no corredor marcava o ritmo de uma vida que não lhe pertencia. Ela precisava de uma saída, mas, por enquanto, tudo o que podia fazer era suportar.
Determinada, ainda que com o coração pesado, ela se levantou e se preparou para enfrentar mais uma noite. Mais uma noite no bordel da própria mãe, onde seus sonhos e sua inocência foram brutalmente arrancados, restando apenas o desejo de um dia ser livre daquele mundo sombrio que Estela escolheu para ambas.