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Histórico

Capítulo 4 Capitulo 2

Palavras: 2766    |    Lançado em: 21/09/2021

co desgrenhada, mas tinha cumprido tantas obrigações que eu me perguntava se poderia continuar com aquilo por muito mais tempo. Sentiria falta dela, no final

outro. Impossível não lembrar do meu passado, antes mesmo de saber o que era BDSM. Eu já tinha tido alguns namorados, poucos; nada durava muito, pois enjoava rapidamente do padrão “namoro de ser”. Eu tinha, isso sim, amigos — parceiros de crime. Nunca andei em bandos, tinha amigos pontuais e dedicados, cada qual agregando experiência rica de liberdade erótica. Com eles, cada um a seu modo, eu tinha uma relação muito íntima, cúmplice, doávamos um ao outro um pouco de nós mesmos, dos tédios, paixões, inseguranças e crueldades. Um deles foi muito ligado a mim. Nos falávamos todos os dias pelo telefone. Horas e horas conversando, ele 17, eu 18. Um guri quieto, amoroso, mas também muito persuasivo. Passávamos o dia de góticos ouvindo música, trocávamos de roupa um na frente do outro, e ele cuidava do piercing gigantesco que tinha na glande. Saíamos juntos todo final de semana, ele sempre uns passos atrás de mim, eu sempre decidindo tudo, naturalmente. Na minha presença, ele andava o tempo todo de ombros encolhidos e esperava meu olhar de aprovação; éramos emocionalmente ligados. Em lugares muito opressivos ou cheios, boates e bares entulhados de gente, abria o peito e as narinas e seguia resoluto, abrindo caminho para mim, em parte usando sua masculinidade e em outra usando sua aparência freak pra assustar as pessoas que, automaticamente, se afastavam dele. Ele chorava e falava de seu tio que havia se suicidado. Mostrava os cortes que fazia na própria carne e mantinha em casa todo o equipamento para colocar piercings. Com aqueles olhos azuis lindos, ajoelhava à minha frente quando eu estava sentada na sua cama repleta de caixas de Marlboro e latas de Coca-Cola e implorava, sorrindo, que eu o furasse e colocasse uma joia. Achava aquilo lindo e fazia com prazer. Via a felicidade no rosto dele. Íamos a feiras de moda alternativa, onde ele comprava colares e roupas para mim, e como ficava radiante em me presentear! Numa dessas feiras, um expositor vendia botas superaltas, com plataformas enormes, e não saímos de lá enquanto ele não comprou uma para mim. “Nossa, muito linda essa bota, olha o salto! Mas vai ser superdifícil de usar, como andar de ônibus com isso?” “Ah, por favor, vamos comprar, vamos, vamos!” “Mas onde eu vou usar?” Eu já trabalhava naquela época e ganhava pouco, claro. O pensamento utilitarista era automático, mas o desejo de tê-la era grande. “Não importa. Vamos... Vamos comprar.” “Eu não tenho grana, tu sabe.” Aí ele se ajoelhou na minha frente. O lojista só olhou de canto e deu uma risadinha, pensando obviamente que ele estava alucinado. Feira alternativa, gente tatuada, música eletrônica e bando de jovens era uma equação elegante e simples igual a drogas. Mas não era o caso. “Por favor, eu te imploro! Não vai gastar teu dinheiro, eu que vou te dar essa bota. Vamos, aceita, por favor!” E com o pescoço de lado, o olharzinho pidão de guri de 17 anos, juntou as mãos e parecia rezar na minha frente. O lojista continuava olhando e não se conteve: “Compra, moça, olha o garoto aí.” Eu nem olhei pro cara, tantas emoções enredadas e densas que trespassavam o politicamente correto e o racional. Estava de braços cruzados em frente ao guri ajoelhado à minha frente. E nada me tira da cabeça que existe um código cultural muito anterior a mim que automaticamente faz do ajoelhado um joguete nas mãos de um algoz. Me senti poderosa: neguei. E neguei com justificativas, pra vê-lo ainda mais desesperado, mais suplicante. “Eu já disse que eu não quero. Para com isso. Levanta daí.” Falei justamente porque sabia que ele não ia levantar. Queria mesmo era vê-lo insistir, sofrer, e ansiava muito por isso. Queria que ele sofresse de verdade. Queria que ele sentisse psicologicamente o que tentava sentir na carne toda furada e tatuada. “Oh, poooor favorrrr... Eu te dou. Vamos, aceita.” “Não, deixa de ser ridículo.” “Sim, diga que sim. Eu faço o que você quiser.” Parei um minuto, quebrei o quadril para o lado e coloquei as mãos na cintura. Lembro nitidamente dessa cena. Ele sofria. E eu, triunfante nos meus 18 anos, lhe daria paz, alegria, alívio e colo: “Tá bom... Eu vou escolher uma.” Claro, eu já queria a bota desde o início. Ele levantou num pulo, rindo alto, feliz, puro, contente da vida, me abraçou muito forte e eu a ele. Como estávamos felizes e lúcidos! Senti sinceramente que ele desejava muito fazer aquilo, desejava demais implorar, ter um reflexo de real negação, sentir por um momento que não teria seu desejo atendido e acreditar nisso. Por isso estava tão feliz, duplamente feliz. Depois de tardes deitado lambendo o salto da bota enquanto eu olhava e ria dele, ficava exultandte, elétrico, cheio de vida, e fazíamos planos para a noite: “Hoje você me leva de coleira pra festa?” “De coleira?” Eu ri. “Sim, vamos comprar uma coleira, e você me leva na guia, entramos na festa assim!” “Claro, vamos, eu topo! Vamos mesmo! Tipo um cachorro?” “Não. Como um escravo, Domme. Um escravo! Não um cachorro. Vamos conseguir uma corrente grossa pra colocar na coleira, e tu me leva pra festa. Tu sabe que eu não gosto de lugar muito cheio, as pessoas me olhando. Mas, se formos as

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