Seol-Ah digitava com precisão cirúrgica, analisando uma cláusula de rompimento contratual como se estivesse dissecando um inimigo.
- A cláusula 12B não se sustenta juridicamente. Corte isso - disse, sem erguer os olhos, para sua assistente que mal conseguia acompanhar o raciocínio rápido da advogada.
Era a melhor naquilo que fazia. Vencer. Negociar. E manter o coração trancado atrás de muralhas feitas de cláusulas e vírgulas.
O celular vibrou. Era sua senhoria.
"O encanamento estourou. Seu apartamento precisa de obras emergenciais. O seguro cobre um mês de hospedagem temporária. Enviarei opções."
Seol-Ah franziu o cenho. Detestava mudanças. Detestava mais ainda coisas fora de seu controle.
Suspirou fundo e respondeu com objetividade.
"Preciso de um lugar tranquilo. Sem bagunça. Sem gente."
Do outro lado da cidade...
Em um bairro charmoso, escondido entre cafés indie e livrarias, o pequeno restaurante "Min's Table" fervilhava com aromas de alho, gengibre e óleo de gergelim. No centro da cozinha aberta, um homem de avental amarrado de forma bagunçada girava panelas com habilidade quase artística - Kang Min-Jae, o chef dono de um dos lugares mais acolhedores (e desorganizados) de Seul.
- Hyung! O gás do fogão 2 acabou! - gritou o irmão mais novo do balcão.
- Usa o maçarico, Soo-Hyun! Improviso é o tempero da vida! - respondeu Min-Jae, com uma risada contagiante, enquanto uma colher de metal voava de sua mão e caía dentro da sopa fervente.
Clientes riam. Ele ria também. Tudo em sua vida parecia uma comédia romântica esperando para dar errado. E ele adorava isso.
Exceto por uma coisa: o aviso de despejo que ele escondia atrás do quadro de receitas. Se não arranjasse outra fonte de renda, perderia o restaurante.
Dois dias depois...
O destino - essa entidade preguiçosa e irônica - decidiu brincar de cupido.
Seol-Ah, com três malas minimalistas e um semblante de desdém, subia as escadas do novo apartamento temporário, guiada por uma mensagem no celular:
"Espaço compartilhado estilo tradicional. Ótima localização. Tranquilo. Contrato aceito automaticamente pelo aplicativo."
Espaço compartilhado. Ela torceu o nariz, mas pensou: "Provavelmente um prédio com suítes isoladas. Nada que não possa suportar por 30 dias."
Mal sabia ela que o aplicativo de aluguel confundira as configurações e a enviara para um pequeno hanok modernizado... com morador ativo.
E esse morador, naquele exato momento, estava equilibrando um saco de arroz nos ombros enquanto cantava uma versão desafinada de uma música antiga.
- 🎵 "O amor é como jjajangmyeon, doce e salgado-AH!" - POFT!
A porta se abriu com um baque e Seol-Ah entrou como uma tempestade de elegância.
Min-Jae escorregou no tapete da entrada, derrubando o saco de arroz, e caiu direto aos pés dela.
Arroz voando. Um grito. Um palavrão. Um silêncio mortal.
Ela olhou para o homem caído no chão, com arroz grudado no cabelo e olhos arregalados.
- Você... invadiu minha casa? - disse ela, seca.
- Sua casa? Minha casa. Aluguei isso há dois anos! - ele rebateu, levantando-se rapidamente e se estapeando para tirar os grãos.
- Eu tenho um contrato. Válido por 30 dias. Assinado e confirmado via aplicativo.
Ele puxou o celular do avental e mostrou a tela.
- E eu tenho um contrato de moradia por tempo indeterminado. Isso aqui é um erro!
Silêncio. Ambos se encararam como dois gatos de rua prontos para lutar por território.
20 minutos depois...
Após uma ligação rápida (e agressiva) para o suporte, veio a explicação:
"Erro no sistema. A casa estava listada como vaga por engano. Mas como os dois aceitaram o contrato e há uma cláusula de multa severa para desistência antecipada, o sistema recomenda... co-habitação temporária, com ajuste nos termos."
- Co-habitação? - ela repetiu, como se fosse uma ofensa pessoal.
- Bem... sempre quis morar com uma advogada. Nunca tive ninguém que pudesse me processar tão de perto - ele brincou.
Ela não riu. Ele achou isso encantador.
- 30 dias. Sem contato. Sem intromissão. Eu preciso de silêncio absoluto - ela declarou, cruzando os braços.
- Perfeito! Eu também adoro silêncio... das 3h às 5h da manhã. O resto do dia, gosto de música, panela batendo e gente rindo.
Ela pensou em ir embora. Mas a cláusula de multa era absurda.
Ele pensou em sair. Mas precisava desesperadamente daquele dinheiro.
- Ok. Trégua de 30 dias. Sem invasões no banheiro. Nada de comer minha comida. - ela disse, firme.
- Fechado. Mas uma coisa: se eu cozinhar demais, é crime te oferecer um prato?
Ela não respondeu.
Mas o estômago roncou.
À noite...
Seol-Ah tentava se concentrar em um processo complicado no laptop. Mas o som de gargalhadas, panelas batendo e cheiro de carne grelhada invadia o ar como uma onda impossível de bloquear.
Ela fechou o laptop com um suspiro. Caminhou até a cozinha - pequena, charmosa, cheia de bagunça - e o encontrou dançando com uma colher de pau.
- Isso não é uma boate, senhor Kang. - disse ela.
- Ainda bem. Aqui a entrada é gratuita e a comida é melhor.
Ele serviu um prato. Colocou sobre a mesa.
- Bulgogi à moda da minha mãe. Primeira noite de convivência. Trégua gastronômica.
Ela hesitou. Sentou-se.
Primeira garfada. Silêncio.
- ...Está bom? - ele perguntou.
Ela mastigou devagar. Depois de alguns segundos, soltou:
- Aceitável.
Min-Jae sorriu. Era o elogio mais frio e encantador que já ouvira.
Final do capítulo:
Na madrugada, em seus quartos separados, ambos deitados, fitando o teto.
Ela pensava: "Trinta dias. Só isso. Depois, de volta ao controle."
Ele pensava: "Ela é mais complicada do que um soufflé... mas alguma coisa nessa mulher me faz querer descobrir todos os ingredientes."
E assim começava o convívio mais improvável... e talvez, a maior revolução emocional na vida dos dois.